Meu Mestre Fakir Musafar (10/08/1930 - Dakota do Sul/EUA)
Conheci seu trabalho quando entrei na UNICAMP
no primeiro ano, em 1994 no curso de Artes Plásticas,
quando conheci Luís Fernando Marchioni, vulgo Trash.
Ele era tatuador ainda iniciante, com alguns anos de experiência
mas ainda não tinha aberto seu próprio Studio de tatuagem.
Tatuava em seu apartamento quando o conheci, local que passei
a freqüentar logo que entrei na faculdade, pois tinha apenas
uma pequena tatuagem do Gato Felix, que queria aumentar e
fazer mais algumas.
Trash e Filipe 1997, por Priscila Varella
Trash já tatuava uma galera da UNICAMP - desde que morava
na Moradia Estudantil - em seu apartamento no Cambuí
e mais tarde no centro, local que visitava constantemente
e tomava contato mais próximo e direto com o universo
da Manipulação Corporal, mais especificamente da Tatuagem
e das perfurações corporais, o que rapidamente aprendi
se denominava Body Piercing.
Em meio a revistas importadas principalmente dos EUA - que eram
raras mas não tão caras como hoje pois o câmbio
do dólar na época era de 1 pra 1 (acreditem!!!) - e artigos
de jornal, visto que aqui não existia ainda revista de tatuagem,
eu observava, discutia e estudava, aprendia e pesquisava cada vez
mais sobre o tema Arte Corporal.
É claro que este termo Arte Corporal, ou Body Art como é
mundialmente conhecido, só tive contato quando Trash
me mostrou um texto do Fakir Musafar,
xerocado e amassado mas que era como uma peça
rara em minhas mãos , que na realidade
não era um texto produzido por ele mas sim uma entrevista, um depoimento;
ele mesmo nunca chegou a escrever um livro sobre o assunto,
pelo contrário, dedicou toda sua pesquisa corporal
a um processo empírico, experimentando todas as
práticas de manipulação corporal tradicionalmente adotadas
por diferentes culturas ancestrais ao longo da história.
Em 1967 Fakir cunhou o termo MODERN PRIMITIVES, para se referir
às pessoas que adotavam deliberadamente um estilo de vida que incluía certas práticas de manipulação corporal temporárias, que deixavam marcas corporais chamadas de marcas complementares.
Fakir adotou esse nome em 1978, inspirado em um fakir persa nômade, de 1800, que perambulava com uma série de punhais e objetos enfiados em seu corpo.
Começou aos 13 anos de idade com o primeiro piercing genital,
inspirado desde os 8 anos em textos e fotos da National Geografic
e de outros periódicos que traziam fotos de povos
que tinham seus corpos manipulados.
Aos poucos foi experimentando e definindo os melhores
materiais, medidas, procedimentos e definindo
práticas que hoje são bem conhecidas, como o body piercing,
a tatuagem, branding (queimadura), alargamento, alongamento
e constrição de membros ou partes do corpo, como sua
famosa constrição de cintura, o que ele conseguiu usando por muito
tempo um apertado espartilho, chegando a ter uma cinturinha
muito fina, eternizada em seu trabalho "The Perfect Gentleman".
Fakir Musafar se apresentou pela primeira vez em 1970
no Museu de cera de San Francisco. Em 1971 conheceu Jim Ward,
que fundaria em 1973 a Gauntlet, primeira loja de body piercing,
e a Revista PFIQ (Piercing Fans International Quarterly). Em 1978, realizaram a primeira suspensão recriando um antigo ritual indígena denominado Dança do Sol e outro chamado O-kee-pa.
Ambos foram retratados no filme "Um homem chamado Cavalo" (1970), com Richard Harris, cujo último papel no cinema antes de morrer foi o Bruxo Dumbledore, conselheiro de Harry Potter até o segundo episódio.
Este depoimento de Fakir pode ser encontrado no livro
Tatuaggi, corpo, spirito; de V. Vale & A. Juwo (Milão: Apogeo, 1994).
Para encerrar, peço a licença para citar um parágrafo todo de Beatriz Ferreira Pires em seu CORPO COMO SUPORTE DA ARTE (senac 2003), que traduz muito do que pensa meu Mestre Fakir Musafar e do que penso eu sobre Manipulação Corporal, por isso me inspiro nele e por isso o chamo de Mestre, mesmo sem nunca tê-lo visto de perto:
"O caráter místico, o intuito de transcendência, o desejo de ultrapassar os limites físicos como forma de fortalecer a alma e delinear o caráter, de dar oportunidade ao psíquico de expressar-se concretamente sobre o suporte a que está vinculado, de trazer à tona, de vivenciar, mais do que isso, de corporificar o inconsciente, de dar matéria ao imaterial, sempre guiaram esse homem, que acredita na imortalidade da alma e na reencarnação." (parág. 2º, p.103)